top of page

Mônica Dalcol - Minhas marés

montagens_Encorpadas12.jpg

Quero ser gente

 

Entra pela janela um cheiro de vida nova

O sol vem desfazer as bolhas d’água 

Que escorre pelo vidro opaco

Como escorrem os sonhos dentro da gente

A fragilidade sempre bate à porta

Por vezes, dando pontapés

Há quem resista

Faz-se muro

Muralha

E guerra

Já não resisto mais

Ela invade a minha carne

Meus ossos

E faz meus dedos escreverem

É que agora ela quer ser minha amiga

Ela segura minha mão

Nós vamos juntas até a janela

Respiramos o cheiro do sol

Enxergamos a cor do ar

É que minha vida sempre foi entre as frestas 

Vendo o que quase ninguém vê

Sentindo o que quase ninguém sente

Hoje eu fui derrotada

Há derrotas que valem a pena

Já não quero mais ser fortaleza

Só gente

Gente que é frágil.

(Mônica Saldanha Dalcol)


O retrato da mulher pendurado na parede

O quadro, quadrado, é lugar de simetria

Que não cabe vida alguma

Tampouco, a humanidade

O retrato é o ideal

O tempo certo

A figuração correta

O filtro que estanca a vida

As entranhas não cabem no retrato

Retrato é lugar de idealismo

Que não condiz com a realidade

Embora o velho Hegel quisesse

A vida não cabe no sistema

Nem no retrato

O retrato é objeto de veneração

Só se é possível venerar aquilo que foi aprisionado

É uma forma de estancar a fluidez das rugas

Dos dias

O retrato da mulher na parede

É como a personagem de Charlotte Gilman, em “ Papel de parede amarelo”

Sufocada

Passiva

Presa

Amortecida

Retiramos o retrato da mulher na parede

Por aqui, agora, só há espelhos

Que é para lembrar todo dia

Que não gostamos de idealismos

Nem de mulheres sufocadas em retratos

( Mônica Saldanha Dalcol)

bottom of page