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Rosangela Barros - Da dor à libertação

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Da dor à libertação

A dor que me perseguiu, que me excluiu, que sempre me apunhalou
que me excluiu da beleza do mar, do shortinho na praça, da blusinha de alcinha...
o choro entalado pelo desprezo, pelos olhares de repulsa

no lugar de paixão de desejos ardentes...
a falta de permissão para a dança, para os vestidos vermelhos da vitrine…

o medo de me despir e como sempre no dia seguinte não ser mais lembrada
a barriga grande, as pernas com veias salientes...donas de um sorriso tão gostoso, tão escancarado que foram apagando aos poucos,a conta gotas..
o corpo grande extensão da alma quase livre, da alma exagerada de sonhos,de lutas...mas excluído pela numeração
eu mulher, sem medo de enfrentar tantas tempestades me afoguei tantas vezes na tristeza causada pelo meu corpo grande,pelos vestidinhos ainda menininha lá da rua José Paulino ou do Brás que não entraram,
pelos apelidos doloridos, pelas mãos na barriga mas não para acariciar..e sim pra avisar " faz uma dietinha"...
o corpo que usava uma calça legging pra entrar na piscina.. a moça que ouvia" mas você tem um rosto bonito" ou na hora dos desejos sexuais .." não você não é gorda,é gostosa" ou.." já pensou a Rosangela com as ideias que ela tem no corpo da fulana?? (magra)
a menina que comprava camisetas para não mostrar as dobras,as estrias ,a flacidez...a moça que sempre teve asas..mas se machucava a cada gaiola que mostravam pra ela...provadores, remédios, dietas, desprezos, frases.. ah as frases..." senta no meio pra equilibrar o peso", botijão, saco de areia, Gorda (como xingamento), ah essa comida? tem x pontos x calorias
mas..........
inverti tudo...eu nadei pelada, usei vestidos, blusinhas,saias longas (curtas ainda não consigo),o cós da minha calcinha aparece sim, as partes mais gordas aparecem... voltei a caminhar para me alongar não para perder peso, eu danço com cachaça ou sem, eu uso biquinis, e rodopio a luz da lua,eu compro langerie do tamanho que quero...eu faço amor com as luz acesa...e me exibo em danças sensuais mesmo sem saber
ainda choro.ainda lamento...a sociedade doente, demente tenta nos adoecer padronizar o que não tem padrão
choro quando sou obrigada a comprar a roupa que tem e não a que quero
choro a solidão às vezes por ser tantas mulheres e todas elas não muito aceitas na realidade social e econômica que vivemos que rouba nosso ócio, nossa arte, que se apropria de nossas identidades para o lucro e não para a equidade...que mata com drogas permitidas de um mercado voltado para a magreza
por esses dias me vi frágil, cansada, quase voltando as roupas de antes, quase esquecendo de minhas vaidades que amo! triste!
mas participei do projeto Encorpadas...idealizado pela grande mulher Mari Moura
e vi todos os meus relatos nos relatos delas e me vi inteira em cada corpo, em cada fala ,em cada gesto...vi mulheres que como eu resistem e insistem...que seus corpos gritam... por todos os corpos excluídos, invisíveis ...mulheres belas...com tantas potencialidades... Eu vi mulheres que reforçam suas identidades, que não permitem sua invisibilidade..mulheres trans, negras, cis, brancas...mulheres!
Eu sorri como nas vezes que me sinto dançando sozinha..mas sorri com elas.
Chorei também porque peguei em cada parte, em cada espaço que foi ferido.. mas abracei, acariciei,pedi perdão de novo...ao meu templo ao meu sagrado e profano ...
e a dor,a tristeza...o rancor... estão em mais outro processo...de encorajamento para as mulheres como a gente… a lágrima surge ..mas o sorriso na hora da fotografia é mais autêntico.
Obrigada mulheres, obrigada Mari Moura
somos tão grandes… mas tão grande.. e mesmo assim não tem espaço pra tantos sonhos e encantamentos...eles transbordam

Rosangela Barros
mãe
mulher negra
mulher gorda
ativista de lutas sociais
articuladora de saraus na rede pública de ensino
às vezes, poeta.

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